segunda-feira, 26 de agosto de 2013

MADRUGADA É A MELHOR HORA DO BREGA NO CAIS DE SANTA RITA

Diário de Pernambuco



Segunda-feira, 4h. A cidade de ressaca do fim de semana, agarrada ao lençol na esperança de ficar na cama quando o despertador tocar. Não se vê vivalma pelas ruas. Nem mesmo nas avenidas mais movimentadas.
A Agamenon Magalhães e a Rosa e Silva respiram em silêncio o início da semana, pacatas sob as luzes amareladas dos postes. Em Boa Viagem, o movimento do mar e a brincadeira de luzes dos semáforos amarelo-piscantes são a única distração na paisagem. Até que um táxi para à beira-mar, despachando dois adolescentes com camisas de mangas arregaçadas e uma menina com as sandálias de salto nas mãos.
Descem rindo para a praia, e novamente não se ouve mais nada.

Rumo ao Centro da cidade, nem sinal de coletivo, pedestre, engarrafamento, buzina. A surpresa vem como um bafo quente e suado no rosto, em alto-falantes estourados, às 4h30. No terminal de ônibus do Cais de Santa Rita, a madrugada é a melhor hora do brega. De um lado, os ônibus que fazem a linha Bacurau estacionados (são 43 linhas rodando das 23h30 às 4h), esperando o recomeço do percurso, no início da manhã. Do outro, separadas por um gradil, as mesas lotadas dos bares. São mais de 20 barracas, cada qual com sua caixa de som.

A ilha de barulho e agitação em plena cidade dorminhoca faz pouco caso para a chegada da segunda-feira. Seus frequentadores, no lugar de lamentar o início da semana com xingamentos preguiçosos, o celebram.
“Esta é a noite dos garçons, dos chefes de cozinha, da galera dos restaurantes e boates”, conta Maria Andréa, de 34 anos, que trabalha como funcionária de serviços gerais num restaurante de culinária japonesa.
À uma da manhã, fim de expediente, pegou o Bacurau em Piedade. No cais, em vez de seguir viagem para Paulista, onde mora, parou com os amigos para tomar uma cerveja e dançar. “Nossa folga é dia de segunda, a gente tem que aproveitar”.

Nos bares do terminal, em meio ao lixo espalhado pelo chão e o cheiro quase insuportável de urina, tem gente de todo tipo, vinda de todo canto. Jovens procurando vibe fim de festa, prostitutas em fim de turno, homem dançando com homem, mulher com mulher, bêbados derrotados dormindo pelas mesas ou no chão.
“Aqui começa a ficar bom a partir da meia-noite. Os ônibus Bacurau começam a chegar no terminal e o povo vem ficando por aqui”, conta Cleide Moura, 49 anos, conhecida como Galega. Com um copo de cerveja na mão e muito rebolado, garante: “Pode perguntar a qualquer um aqui: todo mundo sabe quem é a galega do pedaço”. Dona de bar há dez anos, trabalha junto com o marido e o irmão, que têm outros dois bares no local. “A gente abre na terça e só fecha na segunda, ao meio-dia. Funcionamos 24 horas”. Apesar de viver cheio todos os dias, o cais é conhecido pelas festas de terça-feira, quando recebe os remanescentes da Terça Negra, no Pátio de São Pedro.


Um dos mais antigos no terminal é seu Manuel, que dormia debaixo do balcão da própria barraca, onde já deixa uma manta de lã a postos. “Ele está meio doente”, conta Arimatéia Rodrigues do Nascimento, adotado por Manuel quando criança. Passa os dias todos no bar há vinte anos, dos 29 que tem. Às 5h, o céu escuro começa a ganhar outras cores. “Agora, quando o sol vem quebrando a barra, é que começam as confusões. Todo dia tem alguma coisa. É gente que quer sair sem pagar a conta, briga por causa de mulher, um quebrando garrafa na cabeça do outro”, lamenta os prejuízos.

Dentro do terminal, dois funcionários de empresa terceirizada fazem a segurança. Na cabine, dividem espaço com dois policiais militares, responsáveis por monitorar também o entorno do cais. Um dos policiais, que preferiu não se identificar, trabalha no ponto há dois anos, locado no 16º Batalhão da PM. São raras as noites tranquilas, que se passam sem ocorrência. “Já vi facada, tiro”, conta. “Muita gente que frequenta esse lugar é mal-intencionada. Vem em busca de prostituição ou de drogas, porque é fácil de encontrar com os traficantes aqui”. A Polícia Militar informou, através de nota, que além dos dois policiais no posto, em regime de 24h, reforçam a segurança com apoio de rondas de duas viaturas, sendo uma da Patrulha do Bairro, e um trio de motocicletas. Nos fins de semana em que há jogo de futebol, o posto chega a contar com dez policiais, dependendo da demanda.

Às 6h, os ônibus já recomeçaram a rotina, saindo do terminal ao som de brega. O dia mal clareou e estão cheias as paradas — 96 mil passageiros circulam por lá todos os dias; as pessoas sonolentas, vencendo o começo da semana com as mochilas pesando nas costas. Nos bares, começa a esfriar o movimento, a farra terminando com a música misturada ao som das vassouras, a clientela se renovando. Renata Kelly, 24 anos, que trabalha como assistente de telemarketing, aproveitava o início das férias. Chegou no cais às 5h, de carro, bebendo uísque com o primo. Sentou na mesa com duas amigas conhecidas de lá e começaram as partidas de dominó. Karol Campos, 22, também chegou às 5h. Saiu da boate MKB com a namorada e foi terminar a farra no bar. Não ia trabalhar na segunda, nem como enfermeira nem como operadora de caixa de supermercado: aproveitou a folga do atestado médico para se divertir.

O sol já estava quente, às 6h30, quando uma pista de dança se formou em uma das barracas, coberta por um toldo. Dois meninos de calças supercoladas e cabelos arrepiados acertavam todos os passos da coreografia ditada por Anitta, a poderosa. Casais arrochavam nas lambadas. Cansado, um dos bailarinos, ao sair da tenda, precisou tapar os olhos com as mãos: “Ave Maria, está é claro já”. Se juntou aos demais passageiros do terminal movimentado, às 7h, passando por dois homens que traçavam um prato de mão de vaca no café da manhã. Quem ficou, ouvia Benito di Paula cantar na jukebox: “Eu vou ficar aqui até a madrugada voltar”.  (Camila Almeida (texto) / Alcione Ferreira (fotos)

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