quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

NUMA TARDE DE JULHO, A ÚLTIMA ENTREVISTA DO VELHO LIBA


Márcio Didier
Editor do Blog da Folha

“Fui amigo do Recife, no trato da coisa pública. Como prefeito, vereador e deputado estadual”. Com essa frase, quase uma despedida, Liberato Costa Junior encerrou, contra a vontade, uma longa entrevista que derivou para uma conversa sobre seus dois amores: a política e o Recife.

A conversa foi na tarde de 13 de julho do ano passado. Tinha completado 97 anos três meses antes, em 11 de abril, e fazia planos para o futuro. Afirmava que quando o governador Paulo Câmara o visitasse novamente, iria conversar sobre a crise hídrica do Estado. Mostrava-se muito preocupado com isso. “Água é tudo na vida”, divagou.

Debilitado, com cabelos desgrenhados e barba por fazer, teve em seu quarto cheio de aparelhos para auxiliar a respiração e medicamentos seu refúgio até a morte. Mas guardava um desejo de se manter informado. E, num mundo tomado pelos celulares, era por um telefone sem fio, que estava sempre ao seu lado, que ele buscava as notícias.

Durante boa parte da entrevista, naquele 13 de julho, concedeu sentado na cama, apoiado em uma almofada. Depois de duas horas de conversa, pediu para deitar. O esforço para falar só não era maior do que o de espichar a visita. Relutava em voltar à solidão do quarto. Em todas as vezes que tentava encerrar a conversa, ele levantava outro tema. “Sabe que seis ou oito governadores me ouviam?”, indagava, para conversar um pouco mais.

Por várias vezes, externou a sua admiração pelo ex-professor de geografia do Ginásio Pernambucano Agamenon Magalhães – que mais tarde se tornou governador –, a quem classificou “o político mais sábio do Nordeste, criador de frases célebres”. Uma delas, repetiu por mais de uma vez: “Ninguém governa o governador”.

Também falou com saudades de Miguel Arraes e do ex-governador Eduardo Campos. “Eu tô órfão. Perdi (Miguel) Arraes, que era meu amigo pessoal. E perdi Eduardo (Campos), que era o reflexo da minha amizade por Arraes. Fiquei órfão”.

E assim, em pouco mais de três horas, a conversa foi desde a primeira vez que disputou um mandato – “em 1951, eu perdi. Só fui eleito em 1955” –; o novo comando do PMDB – “Raul Henry é um fidalgo” –; e a viagem de zepellin na década de 1930 – “conheci o Recife de cima”.

Duas semanas depois, outro encontro, para levar o material já editado. Ele queria lê-lo. Na verdade, um pretexto usado por Liberato para uma hora a mais de conversa, regada a bolo de milho – “o melhor do Recife” – e um café forte.

Foi a última entrevista do maior municipalista do País. O homem que se autoentitulava “o referencial do Recife”. O cidadão que emprestou o nome ao levantamento mais preciso sobre a disputa pela Câmara do Recife, o Dataliba, em que ele enumerava de 80 a 90 candidatos ao legislativo municipal. A margem de erro, obviamente, pequena.

Liberato se foi, o decano da Câmara – mesmo não fazendo mais parte dela – descansou. “Gratidão é dívida que não prescreve”, diz a sua mais célebre frase. E essa dívida ao ex-vereador, ex-deputado e ex-prefeito, o Recife, dentro do possível, soube retribuir.

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