O Estado de Minas
É democrático que um direito constitucional, o voto, conquistado com
sangue e suor depois de longos anos sob um regime de exceção no Brasil,
seja hoje uma obrigação para o cidadão? Polêmica, a questão está longe
de ser consenso entre políticos e estudiosos de todo o mundo. Tramitam
no Congresso Nacional nada menos que 23 projetos e proposições que
discutem a obrigatoriedade desse instrumento basilar da democracia
moderna. A maioria dos países com tradições eleitorais consolidadas
adotam o voto facultativo.
No Senado, são quatro projetos em
tramitação – em 2011, a Comissão de Reforma Política rejeitou proposta
que defendia o voto facultativo. Na Câmara dos Deputados, são 19 textos
– o mais recente é do deputado José Reguffe (PDT-DF), apresentada à
Comissão de Reforma Política da Casa em 2011. “O voto facultativo é a
alternativa mais democrática, mais justa. Além disso, valoriza o ato de
votar”, afirma ele. O deputado mineiro Lincoln Portela (PR) é autor de
uma proposta que defende a realização de um plebiscito nacional para
decidir a questão. “Acho que o povo é que tem que decidir”, defende.
Reguffe,
no entanto, soa pessimista quando fala da possibilidade de aprovação
da mudança: “Sou um entusiasta do voto facultativo. Apresentei 12
propostas para a reforma política, a do voto facultativo é uma delas.
Mas acredito que a perspectiva de vê-la aprovada é pequena, porque
muitos parlamentares têm resistência a mudar o sistema pelo qual foram
eleitos. Às vezes eles ficam mais preocupados com sua reeleição do que
com grandes problemas da sociedade”, avalia. Para o pedetista, o fim da
obrigatoriedade forçaria os candidatos a disputar o voto dos eleitores
de outra maneira, com um trabalho mais dispendioso de convencimento do
cidadão, que poderia simplesmente não votar.
O novo presidente
da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), anunciou em fevereiro que
pretende finalmente colocar em votação a reforma política. Intenção que
é debelada há anos no Congresso Nacional, entre gritos de revolta da
sociedade e a preocupação com a reeleição dos parlamentares, o anúncio
foi um dos primeiros compromissos assumidos por ele.
Lincoln
Portela diz que, pessoalmente, é favorável ao voto facultativo. “Ele
transformaria a eleição numa busca de votos diferente. O esforço do
candidato passaria a ser no atacado, e não no varejo”, compara. “De
certa forma, na prática, o voto facultativo já existe, porque a multa é
muito baixa. O que eu quero é legalizá-lo, por meio de um plebiscito.
Isso, claro, se o povo se decidir a favor. O povo é soberano”,
justifica. O deputado argumenta que o ato de não votar também pode ser
carregado de significado: “Quem não quer ir às urnas, está dizendo o
seguinte: não concordo com esse modelo vigente, não quero esse modelo”.
PRÓS E CONTRAS
O cientista político Malco Camargos discorda dos parlamentares e
sustenta que o país ainda não está preparado para adotar o voto
facultativo. Ele diz que o fim da obrigatoriedade tem vantagens e
desvantagens. O principal benefício seria o consequente maior
envolvimento e preocupação do eleitor com seu voto. “Um fator importante
que temos que considerar no Brasil é o custo do voto. Quem mora em uma
cidade grande e tem carro, por exemplo, pode ir votar rapidamente e
não tem que empreender um esforço grande, nem gastar muito para isso.
Já quem mora em uma zona rural e é mais pobre, tem que se deslocar. O
voto para essas pessoas tem um custo maior”, explica. Assim, argumenta
ele, é preciso diminuir as desigualdades no país para que depois seja
viável endossar essa mudança. “A obrigatoriedade do voto iguala as
pessoas, senão, quem vai participar não vai ser quem está mais
interessado, mas quem tem mais acesso”, argumenta.
O cientista
político Rubens Figueiredo também especula que as classes mais baixas
da população teriam um percentual de abstenção maior, o que poderia
mudar o quadro político brasileiro. “É provável que as classes menos
favorecidas votem menos, e elas tiveram papel decisivo nas últimas
eleições”, afirma. Por isso, ele defende que a mudança seja
implementada com um período de transição, acompanhado de uma campanha
de conscientização. “Desde que o Brasil é Brasil o voto é obrigatório”,
brinca. A obrigatoriedade foi instituída no país em 1932.
“Acho
que seria uma alteração positiva para o sistema político brasileiro.
Com ela, você ganha qualidade no voto, porque uma pessoa pode escolher
entre não votar ou votar em um candidato em quem ela acredita. Ela
poderia simplesmente não votar”, diz Rubens. Em relação à primeira
eleição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que teve
votação muito expressiva de jovens e de populações de baixa renda,
especialmente de negros e latinos, ele analisa: “Eleição é como uma
final de futebol. Se o eleitor percebe que há possibilidade de o
resultado ser positivo para ele e que pode influenciar a vida dele, ele
vai votar. Se a coisa parece ruim ou improvável, ele não vai”.
Abstenção em 2012
Nas
eleições municipais de outubro do ano passado, 16,4% do eleitorado do
país não votou no primeiro turno, quase 8% dos votos anularam o voto e
3,2% votaram em branco. No segundo turno, a abstenção atingiu 19%. Na
época, ao fazer um balanço dos números das eleições, a presidente do
Tribunal Superior Eeleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, afirmou que o
número era preocupante. Segundo ela, caberia tanto aos órgãos da
Justiça Eleitoral quanto a especialistas e cientistas políticos fazer
avaliações sobre os motivos que levaram os eleitores a comparecer menos
às urnas. A multa aplicada a quem não justifica ausência em eleições é
de R$ 3,50. Além disso, quem não comparece nem se justifica em três
votações seguidas tem o título cancelado e não pode tirar passaporte,
participar de concursos públicos e, obviamente, não pode votar.
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